quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Para um marujo


As ondas daquele mar eram densas e profundas.
Negras, às vezes encaracoladas ou pipocadas.

As ondas daquele mar eram surpreendentes e perigosas.



Navegando em um pequeno navio veleiro, havia um marujo. A barba mal aparada denotava os dias que velejava em alto-mar, que já contavam meses. As protuberâncias na testa (bastante extensa, por sinal) conotavam a preocupação de um navegador experiente em vias de tempestade.

"Mau tempo", ele disse, olhando o céu fixamente. "Devemos nos preparar para a tempestade", lançou em tom grave.


Éramos três.
O marujo, dono destes mares, comandava o navio. Tinha sobre suas costas o peso das ondas, mas carregava em seu coração o espírito de Netuno. Nos vincos de seu rosto, a força de uma determinação infinita e a experiência de uma alma planteada de vivências.
O seu imediato era um efusivo jovem, com cabelos longos e roupas mal cuidadas (principalmente os sapatos, não sei como conseguia andar com aquilo!). Não possuía a sapiência do marujo, mas tinha igual força de vontade e curiosidade.
Eu, uma serva de Etros. Salva por acaso, mantida por acaso, amada por acaso.


Agora, me encolhia na popa. O medo tomava conta dos meus nervos e eu via a morte certeira vindo ao meu encontro.

O céu era uma mescla de marrom e preto. As nuvens tingiam suas bordas com luzes claras e repentinas, e os barulhos do céu calavam os ruídos do mar.

As ondas agitavam-se e erguiam-se metros acima de mim, como se travassem uma batalha épica com as forças que regem o firmamento. Eu via cones desenhados no céu, e uma tromba d'água se formou ao leste.

O medo corroía minhas entranhas.

Passos no convés. A pouca luz que restava no céu produziu uma sombra sobre mim, e os meus olhos não se ergueram por medo de encontrar em meu foco o olhar castanho e gentil daquele homem.
Com a ponta dos dedos, ele tocou minha testa. Aos poucos, deslizou sua mão pelo meu rosto, cerrando meus olhos, enquanto repetia baixinho "calma, calma, calma".

Minha respiração normalizou-se e meu coração desacelerou seu ritmo. A voz do marujo foi ficando distante, e só pude sentir à minha esquerda, ainda meio distante, a presença do imediato, que observava de longe a cena. Preocupação, era isso que irradiava dele. Mas era tão genuína que me comoveu ao invés de me assustar.


Os primeiros raios de sol invadiram a cabine. Abri os olhos, e minhas pupilas indecisas saltaram por um tempo até se acostumarem à luz do lugar. As camas ao meu lado arrumadas, o navio silencioso como um templo. Apenas o burburinho do mar era audível.

Subi ao convés e encontrei estirado próximo à quilha o imediato, encharcado e dormindo um sono de exaustão. Por instinto, corri à ponte para buscar cobertores e toalhas secas, quando vi parado à proa o marujo. Ele estava de costas pra mim, com as mãos cruzadas atrás, o corpo ereto e roupas secas. Ao seu lado, um bolo de tecidos envoltos por uma poça de água.

"O que aconteceu com...", ele fez um gesto para eu me calar.

Me aproximei, curiosa para descobrir o que ele estava observando. Seus olhos estavam perdidos no horizonte, focalizando a linha tênue que separa o mar do céu. O dia estava bonito novamente e qualquer sinal de tempestade desapareceu por completo.

Cinco minutos se passaram e nenhum músculo do marujo se moveu.

Dez minutos e a primeira palavra. Uma ordem. "Ouça".

Mais dois minutos.

"Sempre ouça o mar. Não importa a cor do que se aproxima, o mar sempre diz a mesma coisa."

Focalizei, então, minha atenção no burburinho das ondas. E depois de vários minutos (talvez até horas, porque o sol já ia a pino), ouvi, de longe:

"calma, calma, calma".

E então, compreendi. O marujo agora me olhava. As rugas nos olhos tornaram-se lindas pela largura do seu sorriso. Meu coração estava aos pulos e meus pensamentos saltitavam nas gavetas da minha mente.

Ele me abraçou. Imediatamente, entendi que Etros havia sido bondoso.
Aquele era o meu lugar. O mar.



"A tempestade?", perguntei.

E ele me respondeu: "Já passou."

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