domingo, 26 de junho de 2011

Passos


Meus passos eram lentos e curtos, em contra-ponto aos seus, que me buscavam na direção contrária. Avistei, no escuro, um vulto que eu sabia que era o seu. Os faróis de um carro iluminaram você por um segundo, e eu tive certeza. O casaco do seu avô, o cabelo preso, aos mãos no bolso. Aquela figura alta e esquálida que eu gostava muito.

Ao perceber-te, meu corpo todo mudou. Minhas pernas, involuntariamente, aceleraram o ritmo, acompanhando meu coração. Minhas mãos se enfiaram nos bolsos e o meu foco foi para o chão. Senti um leve rubor nas bochechas e uma sensação quente na ponta das orelhas. Dentro de mim, um rebuliço. Fora também. Mas eu tentava disfarçar desviando, a todo custo, a minha atenção do lugar em que você se encontrava.

Era inútil. Os meus olhos procuravam os seus.

Ao te encontrar, um abraço. No frio, todo meu corpo foi envolvido por calor humano. E, paralelamente, por uma sensação cheia e incômoda, uma sensação de despedida, de última vez.

Sentamos no sofá. Eu olhava seu rosto, já tão conhecido, e percorria cada canto dele com as minhas mãos. As duas pintinhas marrons, na base do pescoço, que eu tanto adorava (sem você saber). Você fazia 'barulho de monstro' nas minhas bochechas, e foi a primeira vez do dia em que eu ri. Fazia menos de 5 minutos que eu estava na sua presença.

Eu alternava meu foco entre o chão (mais precisamente, o carregador da bateria do notebook) e o seu rosto. As piadas que você fazia (a maioria delas me tirando, obviamente) me faziam rir com mais vontade. Uma frase se repetia na minha mente sem parar: "eu vou sentir tanta falta dele".

Mas por que eu sentiria falta? Eu estava bem, ele estava bem, não havia sinais de tempestades no nosso céu. Não havia nada que pudesse me fazer perdê-lo. Então por que parecia que era a última vez que eu olhava os seus olhos fundos e castanhos (que hoje pareciam verdes, juro!), o seu nariz estranho, o seu bico quando fala "não"e o seu pescoço longo? Por que parecia que eu nunca mais estaria tão próxima, tão bem, tão sua?

E é claro que você percebeu que havia algo errado. Como não perceberia conhecendo todas as minhas pestes, as minhas pragas, os meus sins, os meus nadas, as minhas tão variadas e mentirosas afirmações de que tudo está bem? Conhecendo, inclusive, todos aqueles sentimentos (dos bons aos podres) que eu escondo de todos, mas não consigo guardar de você?

Mas entre todas as palavras que soltei (depois de inúmeras negações) tudo pareceu exigências. Quando na verdade, não é. Se trata de sentimento, não de tempo. Não, nem sentimento não é. É expressão. Isso. O que quero é a sua expressão. Que eu possa ler tua alma tão bem quanto você lê a minha.

Meu coração está mais calmo agora. Aliviado pelas suas certezas e olhares.

É por isso que estou escrevendo pra você. Pra saber o que sinto.

E eu tenho tanto a dizer, mas ainda não posso falar.

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