terça-feira, 9 de novembro de 2010

Para um anjo alto


As nuvens não estavam desenhadas. O céu não se mesclava entre o roxo e o rosa, e aquele pôr-do-sol não foi doce. O dia amanheceu claro, mas o tempo tratou de acizentá-lo.

Chovia.

As memórias da noite passada, já meio distantes, traziam um gosto amargo na boca. A preocupação, a elaboração de hipóteses, o medo.

E agora, as borboletas no estômago.

Chovia.

Choviam lágrimas dos meus olhos.




Ao lembrar de todas as vezes que olhei pro céu nos últimos meses, voltou-me uma visão. A imagem de um anjo, alto. Cara de guri, sorriso doce, cabelo comprido, barba por fazer. Olhos fundos e gentis. Tão gentis que fizeram eu me perder no primeiro instante.

Um anjo alto. Me estendendo a mão.

Milhares de vezes eu o vi. E o anjo estava sempre ali, a me ajudar. Poucas vezes o vi triste, sem forças. Poucas vezes ele fraquejou. Sua mão nunca se recolheu, eu a encontrava sempre estendida. Oferta.

Certo dia notei o anjo diferente. Seus olhos fundos se encontravam tristes, seu sorriso sombrio, sua altura minimizada pelo encolhimento. A mão estendida em súplica. Pedindo ajuda.

Chovia.

O primeiro pingo verteu dos olhos do meu anjo.

A chuva caiu límpida dos meus. O anjo, clemente, me pedia desculpas, me pedia conselhos, me pedia respostas. Eu não as tinha. Eu nem sequer podia perdoá-lo porque, eu queria que ele entendesse!, não havia o que perdoar. Eu também não tinha as soluções, não tinha a poção que o faria parar de pingar.

O segundo pingo brotou da consciência do meu anjo.

Porque ele se deu conta da sua condição. Errou, e agora sofria por isso. Carregava nas mãos o peso de um mundo (eu via esse peso refletido em seus olhos fundos), sentia em suas costas o porvir fatal (eu sentia em seu abraço apertado o quase-medo que lhe cercava). O anjo me disse, entre temporais, que não podia perder o que tinha. Que não queria.

O terceiro pingo escorreu pelo canto do olho do meu anjo.

E então, ele sorriu. Percebeu que não estava só, que era amado. Ah, sim, anjo, era muito amado. Que, ainda que uma nova vida tenha começado, que erros graves tenham sido cometidos, que consequências teriam que ser encaradas, não passaria por isso sozinho. Sim, havia um outro anjo, com um olhar puro e um sorriso apaixonante, com ele. E uma mortal, que os amava com todos os batimentos acelerados de seu coração.




A chuva parou.

E no sol, entre nuvens descarregadas, pude ver mais uma vez a imagem do anjo alto. Seu sorriso era doce novamente. Sorri de volta.

Olhando em seus olhos (fundos, sempre fundos!) notei que compreendeu a mensagem. Ele não perderá o que tem. Jamais.


Sua mão não está mais estendida pra mim.

Agora andamos de mãos dados.

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